Rumo à tarifa zero

Tarifa-zero1Daniel Guimarães, Graziela Kunsch, Mariana Toledo e Luiza Mandetta, Folha de S.Paulo, 5 de junho de 2013

É preciso abrir a caixa-preta dos transportes públicos, com ou sem CPI, e, sobretudo, é urgente discutir o modelo de gestão

Há pouco, escrevemos sobre os motivos que nos levaram às ruas. O aumento de R$ 0,20 nas tarifas acentuaria a exclusão social provocada por um modelo de gestão do transporte baseado nas concessões privadas e na cobrança de tarifa.

Após duas semanas de luta, a população de São Paulo revogou o aumento. Resistimos à desqualificação dos meios de comunicação, bombas, balas e prisões arbitrárias.

Isso não fugiu à regra do tratamento que o Estado dá aos movimentos sociais. É importante que o Judiciário reconheça a ilegalidade das acusações que pesam sobre alguns dos detidos, entre elas a de formação de quadrilha. E que o Ministério Público reconheça a arbitrariedade da polícia e se recuse a oferecer denúncias contra manifestantes, evitando processos criminais.

Foi uma vitória das ruas, de esquerda e pedagógica, que ensinou que a população organizada pode mudar os rumos de sua cidade e, por consequência, de sua vida. Tarifas foram reduzidas em quase 50 cidades, sendo mais de dez capitais. Há lutas em andamento, e o debate sobre a tarifa zero está em pauta. Continue lendo

Uma rebelião popular progressiva e o início de uma crise institucional

brasil-protestos-sao-paulo-20130620-03-size-598Fernando Silva, 21 de junho de 2013

1) Há um levante nacional, com eixo na juventude, com adesão de milhares de trabalhadores e trabalhadoras jovens e dos setores médios contra todo tipo de governo e por reivindicações no geral justas: contra o aumento das tarifas, contra gastos da Copa, fora Feliciano, saúde, educação, corrupção e os temas relativos a isso. Em geral, o signo é muito positivo e claramente colocou, desde ontem, elementos de crise institucional dado a fúria contra os poderes seja quem for o governo – contra governos e prefeituras do PT (como São Paulo e várias outras capitais), contra PSDB (governos do Estados de São Paulo e Minas Gerais), contra ACM Neto em Salvador, contra uma prefeitura do PSB apoiada pelo Aécio (Campinas) e por aí vai. Foram mais de um milhão de pessoas se manifestando em pelo menos 400 cidades do país. E agora com características de mobilizações diárias e pautas variadas.

Isto é um ascenso, que está mudando a relação de forças e questionando tudo, inclusive a institucionalidade tal como ela está instalada. Por suas características massivas já superam o Fora Collor e pode começar entrar no bojo das comparações com as diretas já. Estamos falando de uma rebelião sob democracia burguesa, o que sempre torna o problema do eixo e saída para a crise mais complexo. Mas é uma revolta contra tudo, uma “revolução da indignação em andamento.”

2) Dito isto, não significa que é um passeio, uma via de mão única para a esquerda ou em direção a um processo revolucionário linear. Nada disso, é uma situação deste ponto de vista muito diferente das diretas já e do próprio Fora Collor. Não há uma direção deste processo. E nós já sabíamos e até elaboramos muito sobre isso (a tese da maratona para reconstruir as condições subjetivas para as ideias socialistas, por exemplo). A esquerda reformista tradicional está destroçada nesta massa (PT e PCdoB) – e isso é o que está por trás do anti-partido que a direita está capitalizando em algumas capitais. Ou seja, a direita está sim disputando o processo num vazio de referência e direção, inclusive em alguns locais com espaço para grupos fascistas que já existiam. Não nos esqueçamos que já existia uma movimento meio de direita contra a corrupção e anti-partido que fez atos expressivos em 2011, como em Brasília, que existe o fascismo das milícias no Rio de Janeiro e grupos de extermínio de São Paulo. Claro que isso pode aparecer em uma situação de maior enfrentamento. Mas isso não é o tom do processo, o tom é a revolta juvenil e popular progressiva. Continue lendo

Avança a resistência popular contra todas as opressões

Nota da APS sobre as manifestações em curso no Brasil, 18 de junho de 2013

1- As mobilizações que tem ocorrido nos últimos dias tem sido mais amplas do que qualquer um pudesse esperar. Cerca de 500 mil pessoas estiveram nas manifestações somente no dia 17 de abril, as maiores no Brasil desde a luta do Fora Collor em 1992. Mas elas estão dentro da análise mais geral da conjuntura, como a temos caracterizado desde antes do Vº ENAPS (Encontro Nacional da APS): vivemos um retom ada da resistência popular e não de defensiva.

2- Especialmente desde 2011 e 2012, foram inúmeros os sinais do crescimento desta resistência. Pequenas lutas mais localizadas em bairros populares por melhorias materiais e contra a violência, e sem muita politização e participação de organizações políticas e sociais; greves localizadas por interesses corporativos; até lutas mais amplas e de maior politização. Nossas resoluções do V ENAPS (c omeço de 2012) tem muitos exemplos ilustrativos disso. Continue lendo

Transporte coletivo gratuito é tão viável quanto o SUS

numbers-cost-car-bus1O engenheiro Lúcio Gregori, secretário de Transportes na cidade de São Paulo no governo Luíza Erundina (1989 a 1992), argumenta que a política tributária no Brasil impede a aplicação da gratuidade no transporte coletivo, tão viável quanto o SUS (Sistema Único de Saúde), escolas públicas e coleta de lixo. Gregori avalia que uma das formas de se pressionar por um transporte mais barato é fazer justamente o que os jovens paulistanos estão fazendo: ocupar as ruas e cobrar a redução da tarifa. Em sua opinião, transporte não é uma questão técnica, mas um debate em que está colocada a disputa pelos recursos públicos.

 Angela de Paula, ABCD Maior, 15 de junho de 2013. Reproduzido de IHU On-line.

Como o sr. avalia o modelo atual de transporte coletivo no Brasil, em especial da região metropolitana de São Paulo?

Avalio como sendo tradicional, e uma tradição ruim, que é a de transformar o transporte coletivo numa atividade econômica atraente para o setor privado e que acaba sendo prejudicial para as pessoas que usam o transporte e para a cidade como um todo. Três fatores contribuem para isso: o primeiro é o sistema de concessão de serviço público por tempo muito prolongado, podendo chegar a 25 anos, o que vai contra a dinâmica das cidades e causa contradições de interesses futuramente. O segundo é o modelo de vincular o transporte coletivo ao pagamento da tarifa e tratá-lo como um negócio qualquer, sendo que é um serviço de utilidade pública. O terceiro ponto é a priorização do transporte individual motorizado. O resultado é um transporte coletivo ruim e caro, e o grande sonho de todos é ter um carro para se libertar, levando a congestionamentos, estresse, poluição e mal funcionamento das cidades como um todo. O cidadão tem o direito de ir e vir, mas não tem como exercê-lo, sendo sonegado o acesso da população a vários serviços básicos, culturais, enfim. Continue lendo

Tarifa Zero

imagesPaulo Sandroni, http:/sandroni.com.br, 3 de junho de 2013

Durante o mandato de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo (1989-1992) o Executivo enviou uma proposta de Tarifa Zero à Câmara de Vereadores. A ideia foi do Lucio Gregori então Secretario de Transportes coadjuvado pelo Jairo Varoli então Presidente do CET. Como Presidente da CMTC, empresa pública encarregada da operação e gestão do serviço de ônibus em São Paulo encampei imediatamente a proposta por reconhecer as enormes vantagens não apenas sociais, mas também econômicas e políticas que ela significava. Levamos a proposta à Luzia Erundina que imediatamente deu luz verde para que transformássemos a ideia em um projeto de lei a ser rapidamente encaminhado á Câmara de Vereadores. Percebendo o impacto do projeto e especialmente seus alcances políticos, a oposição que no momento mantinha maioria na Câmara de Vereadores rejeitou a proposta, e a tarifa zero não pode ser colocada em prática. Continue lendo

Quanto valem 20 centavos?

O que une os manifestantes de São Paulo é o movimento: o ato literal e simbólico de romper o imobilismo da cidade parada e andar

Eliane Brum, Época, 17 de junho de 2013

Vinte centavos não são vinte centavos. Vinte centavos tornaram-se ao mesmo tempo estopim e símbolo de um movimento tão grávido de possibilidades que foi reprimido a balas de borracha, a bombas de gás lacrimogêneo e também a golpes de caneta. O que começou com o aumento da passagem do ônibus, se alargou, se metamorfoseou e virou um grito coletivo que tomou a Avenida Paulista e ecoou nas ruas do Brasil. O que há de tão ameaçador nestes 20 centavos, a ponto de fazer com que governos da democracia protagonizem cenas da ditadura, é talvez algo que se acreditava morto por aqui: utopia. A notícia perigosa anunciada pelas ruas, a novidade que o Estado tentou esmagar com os cascos dos cavalos da polícia paulista, é que, enfim, estamos vivos. Continue lendo

As manifestações, a tarifa e a política

Lúcio Gregori, Caros Amigos, 14 de junho de 2013

As manifestações promovidas pelo MPL e diversos outros movimentos e setores da sociedade civil contra o aumento das passagens dos transportes coletivos em São Paulo precisam ser entendidas em todos os seus aspectos.
“Foi uma manifestação para trazer à tona a discussão sobre a política de transportes públicos em geral e, particularmente, sobre a política tarifária”

Não se tratou de uma manifestação pontual contra o recente aumento das tarifas, que foram reajustadas abaixo da inflação por fator conjuntural e não por uma política tarifária permanente. Continue lendo