Trem toma lugar de caminhão em Santos

Agnaldo Brito, Folha de S.Paulo, 3 de agosto de 2008

Duas locomotivas a plenos pulmões arrastam os 73 vagões carregados de grãos até o corredor de exportação, na Ponta da Praia, no porto de Santos (SP).

O apito estridente da máquina vai abrindo caminho por entre carretas e gente. O vaivém dos trens tem se tornado mais freqüente, e a predominância da frota de até 13 mil caminhões diários na área portuária parece ameaçada.

A Portofer, uma minicompanhia ferroviária responsável por distribuir os vagões pelo porto de Santos, bate recordes de movimentação e, depois de viver dias de completa inoperância, dá mostras de que pode resolver um dos maiores gargalos do maior complexo portuário do país: a dependência do caminhão.

A volta das ferrovias é importante, principalmente ante a perspectiva do governo federal de ampliar a capacidade de movimentação de carga em Santos para além de 200 milhões de toneladas.

Números inéditos divulgados pela ALL (América Latina Logística) –responsável pelas operações da Portofer– e pela MRS Logística indicam crescimento de 30% no volume de carga entregue no porto sobre os ombros dos trens.

De janeiro a junho de 2007, a operadora movimentou 6,8 milhões de toneladas dentro de Santos. No primeiro semestre deste ano, o volume de carga manobrada pela Portofer deve ter ultrapassado os 8,8 milhões de toneladas. O número ainda é aproximado devido ao balanço semestral da ALL, que será divulgado nos próximos dias.

A MRS elevou a movimentação em Santos de 1,6 milhão para 1,8 milhão de toneladas do primeiro semestre de 2007 para o mesmo período em 2008. Já a ALL registrou aumento no transporte de carga de 5,2 milhões de toneladas para cerca de 7 milhões.

Trânsito

O novo cenário ferroviário em Santos indica tendência de redução ainda mais forte da participação dos caminhões na divisão das cargas que cruzam o porto.

A nova perspectiva pode aliviar a atual situação caótica do trânsito em São Paulo, por onde passam todos os caminhões que rumam para o porto de Santos. Cada vagão de trem carrega o equivalente a três caminhões com capacidade de 30 toneladas ou dois bitrens, veículos de até nove eixos que entopem o corredor da avenida dos Bandeirantes.

Dados da Codesp (Companhia Docas de São Paulo), a administradora do porto de Santos, também confirmam a tendência de mudança da matriz de transportes que serve o porto. No primeiro semestre de 2007, passaram pela área portuária 38,8 milhões de toneladas em carga; entre os itens, soja, milho, celulose, fertilizante, adubo, contêineres.

No ano passado, a participação da ferrovia no transporte desse volume alcançou 17,6% do volume total. Considerada a primeira metade de 2008, segundo dados obtidos com exclusividade pela Folha, o transporte ferroviário já alcançou a marca de 23,6%, seis pontos percentuais a mais do que o mesmo período de 2007.

Migração

Pelo levantamento da Codesp, houve uma migração do transporte rodoviário para o ferroviário. Isso porque o volume de carga movimentada em Santos no primeiro semestre caiu 4,1% sobre os dados de 2007, de 38,8 milhões para 37,3 milhões de toneladas.

O espaço tomado na matriz de transporte que serve o porto começou a ser quebrado depois de retomados os investimentos. Entre 2006 e 2008, um aporte relativamente modesto para os benefícios deu um novo impulso para a Portofer.

Foram R$ 32 milhões aplicados basicamente na recuperação da malha ferroviária. Desses, R$ 9 milhões serão usados ainda neste ano, 90% na recuperação de trilhos e dormentes.

“Em 2008, começamos a fazer os investimentos na malha portuária. Demorou porque primeiro tínhamos que fazer as composições chegarem ao porto”, diz Felipe Figueiredo Gonçalves, gerente da Portofer.

O novo ciclo de investimento ferroviário, agora orientado para o porto, pode sustentar a migração da carga para a ferrovia.

O principal projeto em andamento, patrocinado pelos recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal), é a reforma dos oito quilômetros da via Perimetral da margem direita. A nova via expressa do porto vai finalmente segregar a linha do trem das avenidas.

O investimento é de R$ 58 milhões. Para a Portofer, que disputa espaço na área portuária com os caminhões, a nova estrutura oferecerá ganhos ainda nem mensurados. O principal será a possibilidade de permitir que trens carregados com soja ou com açúcar sigam para os terminais ao mesmo tempo, por linhas diferentes. Hoje, isso ainda não é possível.

“Quando estamos operando no terminal açucareiro, os trens carregados com soja ou milho não podem alcançar os armazéns no fim do porto”, afirma Gonçalves.

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